No dia 10
de outubro de 2017 foi publicado na revista cientifica Nature um daqueles trabalhos científicos
cujas consequências irão ecoar por um bom tempo. O trabalho descreve como um
menino de 7 anos de idade de origem Síria com epidermólise bolhosa foi salvo após receber um
transplante de pele, mais especificamente de epiderme, a camada mais externa da
pele. A epiderme que o garoto recebeu foi “cultivada” em laboratório e
originada de células autóloga, ou seja, dele mesmo.
A partir de uma biópsia de apenas 4 centímetros quadrados, pesquisadores
do Centro de Medicina Regenerativa Stefano Ferrari da Universidade de Modena e Reggio Emilia, em Modena na Itália, cultivaram quase 1
metro quadrado de epiderme, mais precisamente 0,85 metros quadrados! Mas a grandeza
do trabalho em questão não para por aí. Acontece que, a epidermólise bolhosa é
uma doença genética, associada a mutações nos genes que dão origem a algumas
proteínas da pele como laminina-332, colágeno do tipo 17 e integrina α6β4. Tais
mutações causam bolhas e erosões na pele e mucosas que evoluem para feridas
crônicas, suscetíveis a infecções e inclusive câncer de pele. Sendo assim, o que
poderia garantir que o menino, ao receber uma pele nova originada de sua própria
pele, portanto carregando as mesmas
mutações , não iria novamente desenvolver epidermólise bolhosa após o
transplante? Os pesquisadores identificaram a mutação específica do menino, que
lhe causava a doença, no caso uma mutação no gene LAMB3 (que participa da formação de laminina-332) e inseriram nas
células do menino isoladas a partir daquela biópsia de 4 centímetros quadrados
uma versão não mutada, ou seja, sadia, do mesmo gene. A nova epiderme, agora
não mais doente, produzindo laminina-332 normalmente, foi transplantada em nada
mais nada menos que 80% de toda cobertura corporal do menino. Isso mesmo, o
menino já havia perdido até o momento da primeira cirurgia, 80% de toda sua
epiderme. Fato é que 21 meses depois, o menino foi totalmente liberado pelos médicos,
com sua nova pele totalmente sadia, levando uma vida totalmente normal. Para
finalizar, do ponto de vista da geração de conhecimento científico básico, o
caso ainda ajudou os cientistas a perceber que o que manteve a pele saudável do
menino por tanto tempo depois foram as
células-tronco, que correspondiam a apenas 4% das células transplantadas. Isso
foi observado através de análises genéticas da nova pele do menino de onde se
chegou a conclusão que as outras células (as não-tronco, se assim quisermos
chamar) foram capazes de permanecer na pele nova por no máximo 8 meses. Em todo
tempo restante até o total de 21 meses que foram analisados, a nova pele foi
mantida a partir de células-tronco que foram pouco a pouco proliferando e se
diferenciando em células maduras, na epiderme chamados de queratinócitos. Esse
trabalho foi realmente único, o novo tratamento era de fato a última opção para
o menino. Ficaremos agora na torcida para que esse tipo de tratamento possa ser
repetido em outras pessoas e quem sabe um dia venha a ser uma terapia
corriqueira para epidermólise bolhosa, uma doença devastadora que afeta em
torno de 500 mil pessoas mundo afora, sem cura, onde 40% dos pacientes nem
sequer sobrevivem até a adolescência.
Caso queira
ajudar pacientes com epidermólise bolhosa, entre em contato com a Associação DEBRA.
Um pedaço
de pele criado em laboratório no Hospital São José (St Joseph Hospital) em
Bochum, na Alemanha (via Associated Press).