quarta-feira, 9 de março de 2016

Casos clínicos I: o primeiro transplante de uma via respiratória engenheirada.

Caros leitores, sejam bem-vindos a mais um post do engenheiro tecidual. Agora que você já está mais familiarizado com o tema e já conhece os princípios da engenharia tecidual, de vez em quando eu vou mostrar a vocês casos clínicos, ou seja, pessoas que receberam transplantes de materiais construídos em laboratório por engenharia tecidual, além de, é claro, continuar trazendo os mais recentes avanços nas pesquisas. Você verá que, ao redor do mundo, já existem diversos pacientes que já se beneficiaram diretamente da engenharia tecidual. Para começar, um dos meus casos favoritos: o transplante de uma traqueia engenheirada em 2008. A situação era a seguinte: Claudia Castillo, 30 anos, havia sofrido diversos danos em seu aparelho respiratório decorrente de uma tuberculose. A traqueia da paciente foi tratada cirurgicamente, mas o brônquio esquerdo estava condenado. Uma solução seria retirar completamente o pulmão esquerdo. Foi então que cientistas e médicos da Espanha, Inglaterra e Itália resolveram usar a engenharia tecidual. O que eles fizeram foi utilizar um pedaço de 7 cm de uma traqueia de uma doadora que havia morrido, e retirar todas as suas células e componentes que poderiam causar rejeição a paciente que iria receber essa traqueia. O pulo do gato é que os cientistas conseguiram manter praticamente intacta a estrutura da traqueia, ou seja, a matriz extracelular (lembra dela?)! Essa é uma técnica que chamamos de “acelularização”, ou seja, retirar as células do tecido, mas manter a matriz extracelular. Mas, só matriz sem célula não iria funcionar por muito tempo! Então os cientistas utilizaram células da própria Claudia para repovoar essa traqueia acelularizada. No caso, foram utilizadas células epiteliais, para as camadas mais externas, e células-tronco obtidas da medula óssea, para a camada interna de cartilagem. Para garantir que as células-tronco não formassem outro tecido ao invés de cartilagem, antes de serem injetadas, os cientistas fizeram com que elas se diferenciassem, ou seja, formassem condrócitos, que são as células que fazem cartilagem. Pois bem, finalmente, em 12 de junho de 2008, no Hospital da Universidade de Barcelona, o brônquio esquerdo doente da paciente foi removido e a traqueia doadora foi colocada no lugar. De maneira impressionante, não houve problema algum em colocar um pedaço de traqueia no lugar do brônquio, porque, além de se encaixar bem, ela manteve toda sua elasticidade graças ao sucesso do processo de acelularização. Dez dias depois da cirurgia, Claudia já tinha tido alta do hospital e não precisou tomar medicamentos imunossupressores, aqueles que pacientes que recebem transplantes normalmente tem que tomar para evitar a rejeição. Afinal, as células da própria Claudia repovoaram a traqueia, então não foi preciso tomar esses medicamentos. Não é incrível!? Em breve veremos mais casos de sucesso como esse! Ah! A Claudia hoje leva uma vida totalmente normal. Até a próxima! Um abraço biologicamente engenheirado!

Para mais detalhes, leia o artigo científico na íntegra:





















Traqueia engenheirada momentos antes da cirurgia. Imagem obtida do link: