Caros leitores, sejam bem-vindos a mais um post do
engenheiro tecidual. Agora que você já está mais familiarizado com o tema e já
conhece os princípios da engenharia tecidual, de vez em quando eu vou mostrar a
vocês casos clínicos, ou seja, pessoas que receberam transplantes de materiais
construídos em laboratório por engenharia tecidual, além de, é claro, continuar
trazendo os mais recentes avanços nas pesquisas. Você verá que, ao redor do mundo,
já existem diversos pacientes que já se beneficiaram diretamente da engenharia
tecidual. Para começar, um dos meus casos favoritos: o transplante de uma
traqueia engenheirada em 2008. A situação era a seguinte: Claudia Castillo, 30
anos, havia sofrido diversos danos em seu aparelho respiratório decorrente de
uma tuberculose. A traqueia da paciente foi tratada cirurgicamente, mas o
brônquio esquerdo estava condenado. Uma solução seria retirar completamente o
pulmão esquerdo. Foi então que cientistas e médicos da Espanha, Inglaterra e
Itália resolveram usar a engenharia tecidual. O que eles fizeram foi utilizar
um pedaço de 7 cm de uma traqueia de uma doadora que havia morrido, e retirar
todas as suas células e componentes que poderiam causar rejeição a paciente que
iria receber essa traqueia. O pulo do gato é que os cientistas conseguiram
manter praticamente intacta a estrutura da traqueia, ou seja, a matriz
extracelular (lembra dela?)! Essa é uma técnica que chamamos de
“acelularização”, ou seja, retirar as células do tecido, mas manter a matriz
extracelular. Mas, só matriz sem célula não iria funcionar por muito tempo!
Então os cientistas utilizaram células da própria Claudia para repovoar essa
traqueia acelularizada. No caso, foram utilizadas células epiteliais, para as
camadas mais externas, e células-tronco obtidas da medula óssea, para a camada
interna de cartilagem. Para garantir que as células-tronco não formassem outro
tecido ao invés de cartilagem, antes de serem injetadas, os cientistas fizeram
com que elas se diferenciassem, ou seja, formassem condrócitos, que são as
células que fazem cartilagem. Pois bem, finalmente, em 12 de junho de 2008, no
Hospital da Universidade de Barcelona, o brônquio esquerdo doente da paciente
foi removido e a traqueia doadora foi colocada no lugar. De maneira
impressionante, não houve problema algum em colocar um pedaço de traqueia no lugar do
brônquio, porque, além de se encaixar bem, ela manteve toda sua elasticidade
graças ao sucesso do processo de acelularização. Dez dias depois da cirurgia,
Claudia já tinha tido alta do hospital e não precisou tomar medicamentos
imunossupressores, aqueles que pacientes que recebem transplantes normalmente tem que
tomar para evitar a rejeição. Afinal, as células da própria Claudia repovoaram a traqueia, então não
foi preciso tomar esses medicamentos. Não é incrível!? Em breve veremos mais
casos de sucesso como esse! Ah! A Claudia hoje leva uma vida totalmente normal.
Até a próxima! Um abraço biologicamente engenheirado!
Para mais detalhes, leia o artigo científico na íntegra:
Traqueia
engenheirada momentos antes da cirurgia. Imagem obtida do link: