terça-feira, 21 de novembro de 2017

Nova pele

No dia 10 de outubro de 2017 foi publicado na revista cientifica Nature um daqueles trabalhos científicos cujas consequências irão ecoar por um bom tempo. O trabalho descreve como um menino de 7 anos de idade de origem Síria com epidermólise bolhosa foi salvo após receber um transplante de pele, mais especificamente de epiderme, a camada mais externa da pele. A epiderme que o garoto recebeu foi “cultivada” em laboratório e originada de células autóloga, ou seja,  dele mesmo.  A partir de uma biópsia de apenas 4 centímetros quadrados, pesquisadores do Centro de Medicina Regenerativa Stefano Ferrari da Universidade de Modena e Reggio Emilia, em Modena na Itália, cultivaram quase 1 metro quadrado de epiderme, mais precisamente 0,85 metros quadrados! Mas a grandeza do trabalho em questão não para por aí. Acontece que, a epidermólise bolhosa é uma doença genética, associada a mutações nos genes que dão origem a algumas proteínas da pele como laminina-332, colágeno do tipo 17 e integrina α6β4. Tais mutações causam bolhas e erosões na pele e mucosas que evoluem para feridas crônicas, suscetíveis a infecções e inclusive câncer de pele. Sendo assim, o que poderia garantir que o menino, ao receber uma pele nova originada de sua própria pele,  portanto carregando as mesmas mutações , não iria novamente desenvolver epidermólise bolhosa após o transplante? Os pesquisadores identificaram a mutação específica do menino, que lhe causava a doença, no caso uma mutação no gene LAMB3 (que participa da formação de laminina-332) e inseriram nas células do menino isoladas a partir daquela biópsia de 4 centímetros quadrados uma versão não mutada, ou seja, sadia, do mesmo gene. A nova epiderme, agora não mais doente, produzindo laminina-332 normalmente, foi transplantada em nada mais nada menos que 80% de toda cobertura corporal do menino. Isso mesmo, o menino já havia perdido até o momento da primeira cirurgia, 80% de toda sua epiderme. Fato é que 21 meses depois, o menino foi totalmente liberado pelos médicos, com sua nova pele totalmente sadia, levando uma vida totalmente normal. Para finalizar, do ponto de vista da geração de conhecimento científico básico, o caso ainda ajudou os cientistas a perceber que o que manteve a pele saudável do menino por tanto tempo depois foram  as células-tronco, que correspondiam a apenas 4% das células transplantadas. Isso foi observado através de análises genéticas da nova pele do menino de onde se chegou a conclusão que as outras células (as não-tronco, se assim quisermos chamar) foram capazes de permanecer na pele nova por no máximo 8 meses. Em todo tempo restante até o total de 21 meses que foram analisados, a nova pele foi mantida a partir de células-tronco que foram pouco a pouco proliferando e se diferenciando em células maduras, na epiderme chamados de queratinócitos. Esse trabalho foi realmente único, o novo tratamento era de fato a última opção para o menino. Ficaremos agora na torcida para que esse tipo de tratamento possa ser repetido em outras pessoas e quem sabe um dia venha a ser uma terapia corriqueira para epidermólise bolhosa, uma doença devastadora que afeta em torno de 500 mil pessoas mundo afora, sem cura, onde 40% dos pacientes nem sequer sobrevivem até a adolescência.

Caso queira ajudar pacientes com epidermólise bolhosa, entre em contato com a Associação DEBRA.


Um pedaço de pele criado em laboratório no Hospital São José (St Joseph Hospital) em Bochum, na Alemanha (via Associated Press). 

terça-feira, 4 de julho de 2017

Ovário bioengenheirado restaura fertilidade em camundongos

A Organização Mundial da Saúde estima que 1 em cada 4 casais tenham problemas de fertilidade em países em desenvolvimento. Desses, um terço podem estar relacionados a infertilidade feminina, outro um terço a masculina, e o restante a ambos os membros do casal ou a causa é desconhecida.

Na busca de solucionar esse problema, de forma impressionante, pesquisadores da Northwestern University em Chicago nos Estados Unidos conseguiram recuperar a fertilidade de camundongos fêmeas que tiveram seus ovários retirados cirurgicamente. Tal façanha foi alcançada a partir de bioimpressão 3D. Os pesquisadores usaram um gel derivado de colágeno, portanto compatível com o organismo do animal, chamado de gelatina. O “pulo do gato” nesse trabalho foi desenvolver um gel com uma conformação geométrica em angulações específicas do gel impresso em 3D, além de tal gel ser mecanicamente robusto o suficiente para sustentar o crescimento dos folículos ovarianos (os quais darão origem aos óvulos) quando implantado. Os pesquisadores atribuem tal sucesso a bioimpressão 3D, sem a qual tais propriedades não seriam alcançadas. Os géis foram então implantados com folículos nas fêmeas estéreis, e se tornaram vascularizados apenas 1 semana após o implante, o que demonstrou uma boa integração com o organismo do animal. Foi verificado que os “ovários” implantados se mantiveram viáveis por pelo menos 10 semanas após o implante, e, o mais importante, as fêmeas antes estéreis, puderam procriar, gerar filhotinhos e amamentá-los normalmente, mostrando que o implante foi de total sucesso na recuperação da fertilidade e da regulação hormonal dos animais.

É claro que infertilidade feminina pode ter variadas causas. Os autores dessa pesquisa acreditam que, caso essa tecnologia venha a ser usada em seres humanos futuramente, ela poderá ajudar particularmente mulheres que tiveram que ter seus ovários removidos devido ao câncer.  
Veja o vídeo abaixo (é possível ativar legendas em português), onde os autores da pesquisa explicam seus resultados:



Para acessar a publicação original, clique aqui

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Engenharia do tecido vascular: construindo vasos sanguineos

Olá galera!!
Desta vez vamos falar do tecido vascular.  Vamos lá!
Todos já devem ter ouvido falar que as doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo. São mais de 15 milhões de mortes anuais de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se  de um grave problema de saúde pública, pois mesmo quando não fatal, os danos causados aos vasos sanguíneos provocam diversas complicações e invalidez nos pacientes. Estima-se que os custos de saúde nesses casos oscilam entre 50 a 150 bilhões de dólares anuais no mundo.
O tecido vascular tem como função básica distribuir e/ou  coletar:  produtos do metabolismo celular (excretas, radicais livres, gases), nutrientes, vitaminas, hormônios, fatores de crescimento, células do sistema imune entre outras funções. Basicamente, ele garante o trânsito desses elementos pelo corpo. Mas, os vasos sanguíneos não são apenas como canos ou mangueiras. São tecidos vivos, formados por diversos tipos celulares e que precisam ser dinâmicos. Por exemplo, as artérias precisam ter grande elasticidade para não se romperem com a pressão sanguínea que vem do coração. Ainda mais, os vasos sanguíneos podem dilatar ou contrair, no que é conhecido como vasodilatação e vasoconstrição. Quando você faz muito exercício, seu rosto fica vermelho porque seus vasos sanguíneos estão se dilatando. E quando você toma aquele susto, você fica branco porque seus vasos estão contraindo. Pra terminar, os vasos ainda tem que resistir a trombose (coágulo sanguíneo) e fornecer um ambiente propício para ação do sistema imunológico.
Diversas doenças podem acometer os vasos sanguíneos. A aterosclerose é o grande destaque e o famoso “entupimento” das artérias causado por exemplo, por colesterol. Este quadro clínico resulta em um estreitamento no tecido vascular, comprometendo o fluxo sanguíneo. Ao mesmo tempo, as chamadas placas de ateroma, formadas por tecido fibroso e gordura, podem se romper, cair na circulação, e bloquear o fluxo sanguíneo em artérias coronárias, provocando o infarto ou ainda nas artérias cerebrais, provocando o AVC (acidente vascular cerebral).
Como tratamento para tal problema, geralmente utiliza-se transplante do próprio paciente,  a ponte de safena por exemplo. Porém, a quantidade de tecido que vai ser transplantado é limitada, e acaba causando morbidade no local de onde foi retirado. Quanto a doação de outros indivíduos, ocorre o mesmo problema de sempre, demanda insuficiente e necessidade de compatibilidade entre o doador e o receptor.
Pensando nestes problemas adversos, a comunidade científica internacional tem direcionado grandes recursos para pesquisas na área de engenharia do tecido vascular. Dentre as diversas áreas de pesquisa, desta vez vamos comentar de um grupo de pesquisadores da Boston University. Estes pesquisadores confeccionaram em laboratório tubos de colágeno, simulando um tecido vascular. Mas nem tudo são flores... Quando transplantado, o tecido engenheirado precisa se integrar ao sistema vascular do paciente, de forma que ao longo do tempo o biomaterial de colágeno seja reabsorvido e células do paciente formem um novo vaso sanguíneo no local. Enquanto isso, o implante deve resistir a pressão fisiológica evitando o aneurisma- dilatação anormal do vaso sanguíneo; não deve ser trombogênico, ou seja, formar trombos e não deve provocar reações imunológicas adversas no paciente colocando a sua vida em risco.

O “pulo do gato” do grupo de Boston, é que eles desenvolveram uma técnica que permite produzir vaso com diâmetros pequenos, através de uma moldura ajustável, conectando o tecido engenheirado aos vasos no organismo. Além disso, o colágeno é uma substância naturalmente encontrada no corpo e é compatível com as células permitindo sua adesão e crescimento. Veja na imagem abaixo, o experimento inicial, onde os tubos sintetizados no laboratório foram inseridos na artéria femoral de ratos com o objetivo de analisar a resistência  a pressão sanguínea e a biocompatibilidade com o tecido vivo por 20 minutos. Os resultados foram muito positivos! Os próximos passos envolverão cultivar estes tubos com células endoteliais, que são as células que recobrem internamente os vasos sanguíneos. Mais análises como a verificação do tempo de biodegradação do material na circulação 
também serão necessárias.
Logicamente ainda temos muito que descobrir nesta área fantástica. Ao mesmo tempo, que diversas outras estrategias estão sendo investigadas ao redor do mundo com o intuito de construir vasos sanguíneos em laboratório, como a descelularização de vasos sanguíneos de doadores para evitar riscos de rejeição dos implantes e até mesmo impressão 3D.
Um abraço engenheirado!
Para saber mais sobre o trabalho de Boston, clique aqui

domingo, 2 de abril de 2017

Homem-máquina

Estamos em 2017, mas quem aí se lembra do Policial Biônico de 1987, o RoboCop? Esse é apenas um exemplo do sucesso que o imaginário biônico faz em Hollywood. Temos o famoso Darth Vader de Guerra nas Estrelas, o detetive Del Spooner vivido por Will Smith em Eu, Robô, entre outros tantos. Um órgão, ou um tecido biônico funciona com a ajuda da eletrônica, da cibernética. Trata-se de toda uma ciência que busca conectar células e tecidos vivos aos circuitos eletrônicos de um computador, de um chip, algo realmente incrível! Semana passada foi anunciado que esse ramo da ciência ganhará um importante auxílio, o de Elon Musk. Se você não o conhece, digamos que Elon Musk é, ou pelo menos pretende ser, um Barão de Mauá em escala global dos tempos atuais. É o cara por trás da Tesla (carros elétricos etc) e a SpaceX (aquela dos foguetes espaciais reutilizáveis). Agora ele vem aí com a Neuralink, uma empresa que vai investir na conexão do cérebro com computadores. Na opinião de Musk, humanos devem se tornar ciborgues para continuar relevantes num mundo que será dominado pela inteligência artificial. Enquanto esperamos o que Musk vai aprontar dessa vez, vale uma breve recapitulação de como estamos nesse mundo da biônica:

Em 2013, foi “montado” (se é que podemos dizer assim), o primeiro homem biônico com diversos órgãos artificiais e próteses que já estão disponíveis no mundo, simulando já dois terços do corpo humano (ainda faltam alguns órgãos como fígado, estômago e intestino). Um detalhe bem interessante é que o Dr. Bertolt Meyer, um dos criadores do homem biônico, tem o mesmo braço biônico que sua criação. Nesse vídeo ele explica como seu braço biônico capta sinais eletrônicos do seu corpo e assim ele consegue movimentar os dedos. Tudo bem, você pode até dizer que esse homem biônico não é um homem de fato, porque não é, digamos, vivo. 

Mas o que falar então dessa arraia biônica de 2016? Como esse vídeo mostra, a arraia é formada por células musculares cardíacas modificadas geneticamente para responderem a luz, de forma que o animal (ou robô, não sei, estou em dúvida) possa se movimentar seguindo um estímulo luminoso. Tudo bem, talvez essa arraia também não seja um organismo vivo de fato. Aliás definir o que é vida, cientificamente, filosoficamente e até mesmo religiosamente é algo bem difícil. 

Agora, fascinante mesmo, foi a notícia de Bill Kochevar, um paciente tetraplégico que conseguiu movimentar o próprio braço (não um braço robótico!) com a força do pensamento, e a ajuda de eletrodos implantados no seu cérebro. 

Para terminar, você deve estar se perguntando assim como eu me perguntei: “ E o Prof. Miguel Nicolelis? E aquele chute inicial da Copa de 2014? ”. Pois bem, em agosto do ano passado foi publicado um artigo na revista Scientific Report demonstrando que o uso prolongado daquele exoesqueleto em 8 pacientes os ajudaram a recuperar até certo ponto o movimento de alguns músculos das pernas, sensações de tato e dor, controle de esvaziamentos da bexiga entre outros progressos, conforme esse vídeo explica. Um abraço biologicamente (e ciberneticamente) engenheirado!



“ Somebody has to do research, if nobody does research, things don’t get done (alguém tem que fazer pesquisa, se ninguém fizer pesquisa, as coisas não acontecem). ” Bill Kochevar.